Crescendo e amando.

20 de dezembro de 2011

Não adianta andar olhando o meio-fio, esperando o sinal quebrado começar a funcionar. Temos que voltar ao passado e olhar para os dois lados antes de atravessar. Eu só queria te dizer que penso em você a cada segundo que não tenho nada pra fazer. Simplesmente, paro e penso.

A gente tem que caminhar juntos, de mãos dadas, rumo ao topo da montanha. Nem que seja só pra ver o que dá pra ver lá de cima. Só pra chegar. Só pra termos algo a contar para nossos netos, alguma aventura afinal. Logo eu que morro de medo de alturas.

Deixa eu crescer com você, aprender palavras novas e contar piadas de vídeos no Youtube que ninguém viu antes de nós. Vamos dançar em cima da corda bamba contando os dólares que entram em nossas contas bancarias. Eu serviria de modelo para os seus vestidos de noiva, meu amor.

Vamos morar em algum país colonizado pela Grã-Bretanha e aprimorar o nosso inglês. Quem sabe a gente aprenda a dizer eu te amo. Escrevendo cartões postais para o quarto ao lado ou deitando e deixando a chuva cair em olhares apaixonados.

Menina, eu quero você. Sim, para sempre. Por todo tempo possível em que você aguentar minhas piadas sujas e palavras tortas. Meus jogos de futebol, meus filmes de ação e minhas cartas de baralho.

Quero aprender coisas novas com você. Qualquer coisa. Cozinhar, por exemplo. Fazer um jantar à dois, com luzes, velas e doce de leite. Apagar o incêndio na capa da mesa e continuar sorrindo de tudo. Mais um beijo.

Aprender a costurar minhas próprias calças, andar descalço por aí e pedir perdão em vários idiomas. Descascar tangerina e lavar o mundo porque amanha iremos viajar.

Mas isso só se você prometer crescer comigo. Juntos.

óculos escuros

6 de dezembro de 2011

A primeira vez que fui a um velório eu tinha por volta de sete anos, e minha única lembrança além das flores, muitas flores foram os óculos escuros. Achei impressionante como todas as pessoas usavam aqueles acessórios aparentemente todos iguais. Eu não fazia ideia do porque daquilo, e quando eu tentei perguntar à minha mãe, ela estava triste demais pra me responder ou me dar atenção.

Não sou muito acostumado com perdas ou coisas assim. Não sou amigo de saudades ou de cartões postais. Desejo um Feliz Natal por SMS ou mando um recado desejando um prospero ano novo. Não troco presentes no Dia dos Namorados nem acredito em fantasmas do terceiro mundo. E não uso óculos escuros.

Mas ironicamente me apaixonei por ela em seus óculos escuros. Dava um ar de diva dos anos 50 ou filmes em preto e branco. O caminhar brilhante e o sorriso devagar. Eu que sempre fui dos olhos me deixei fisgar pela imaginação de como seriam. Um esconde-mostra que normalmente é descrito por vestidos indiscretos e cruzadas de pernas. Eu queria sorvete de doce de leite. Ela queria recheado com nozes, avelã ou qualquer coisa crocante do tipo.

De um jeito ou de outro comecei a relacionar os óculos escuros com a morte, sabe essas coisas de criança. Mesmo morando numa cidade ensolarada em que eles poderiam ser muito uteis. Eu não uso óculos escuros. Não quero esconder meus olhos, nem as lágrimas, nem a dor. Tudo tem que vir à tona para respirar.

Ela queria perder tempo comigo. Era apaixonada por perdas, por danos, morais, imorais e irreparáveis. Eu paro e queria dizer que posso caminhar ao lado dela, de olhos blindados, bengala e cão-guia. Cego por querer. Por vontade. Para que minha última memoria visual fosse o seu caminhar cambaleante, seu sorriso fácil e os óculos escuros.

Não, os olhos dela não são feios, pelo contrário. São os olhos mais belos que anunciam o belo sorriso que virá. Ela sorri ao olhar. E então esconde por trás da lente preta. Escondendo as cartas tal qual um jogador de poker. Sem emoções. Sem uma música quando sobem os letreiros dizendo seu nome baixinho.

Ela esconde a dor. Esconde a felicidade. É dada a paixões estalagmites pingando do lado inverso. É um verso que ninguém jamais declamou. Guardada no mais belo esconderijo dos seus olhos negros como o asfalto, já que as palavras bonitas já foram usadas é assim que posso comparar. Mas eu não uso óculos escuros.

E agora estamos em mais um velório. Todos como de costume de óculos escuros. Eu sustento meus óculos de grau escaldando ao sol de qualquer. Meus heróis não morrem. E se morrerem eu não quero esconder minhas lágrimas. Ela está ao meu lado, e desde esse dia não usa mais óculos escuros. Quer deixar o mundo mais claro. Quer ficar ao meu lado.

E amanhã talvez eu comece a usar óculos escuros, quem sabe.

Amor no consultório

1 de dezembro de 2011

Eu tinha quebrado meu pé direito. Lá estava eu na emergência do único hospital na cidade que aceitava meu plano de saúde. Era domingo à noite. Hospital mais que vazio. O silêncio era quebrado pelas risadinhas esparsas vindas da sala dos enfermeiros.

Eu tinha sido atendido pelo plantonista, mas teria que esperar o ortopedista chegar. Espera chata e demorada. Meu pai me deixou por lá só, pois teve que resolver alguns problemas na empresa. É engraçado como urgências e emergências aparecem aos bandos, parecem lobos ou hienas. Acho que abutres seria mais correto.

Eu lia uma revista que tinha o Neymar na capa. Aquele mesmo jogador que tinha perdido um pênalti mais cedo que causara uma reação mais que passional da minha parte ao chutar a primeira coisa que vi na minha frente: a parede.

Foi quando ela apareceu, com o braço imobilizado. Que linda. Nunca tinha visto uma mulher tão bela, quer dizer, até já tinha a visto por aí, mas acho que o momento de fraqueza que ela demonstrava e a dor que eu sentia no meu pé a tornavam mais bela.

Então, nos cumprimentamos, partilhamos a dor. Ela estava só. Que absurdo. Começou a falar sem parar. Machucou o pulso numa freada brusca quando estava com a mão sei lá onde e a imprensou em algum lugar. Era design de moda. Como uma besteirinha dessas dói tanto. Tinha uma espécie de tipoia no seu carro o tempo todo, por isso a bandagem imensa. O plantonista a chamou.

Fiquei pensando em borboletas do Afeganistão e em coisas como giz de cera e massas de modelar. Depois comecei a imaginar passarelas, ela era a modelo principal de todos os desfiles do meu coração.  Sei que provavelmente ele ficaria atrás das cortinas, ou seja lá como chamam os bastidores da moda, mas eu queria aprender a desenhar todos aqueles modelitos estranhos da Fashion TV por ela. Meu devaneio foi cortado pela voz suave e aliviada  dela.

Foi só uma luxação. Então, eu me lembrei da explicação do professor de medicina do esporte que luxação era uma das piores lesões possíveis, pois era o deslocamento do osso de seu lugar original, algo assim. Mas preferi não alarma-la. Íamos esperar o médico especialista, juntos. Conversando. Ou melhor, eu escutando tudo que ela tinha a dizer.

Foram 30 dias com o pé imobilizado. Uma bem-sucedida cirurgia. Uma carona de volta pra casa. Um relacionamento de onze meses que terminou quando ela foi pra Milão trabalhar e terminar seu mestrado.

Depois dela meu pé e meu coração nunca mais foram os mesmos. E por uma incrível coincidência sempre que alguém citava o nome dela, minha cicatriz começa a coçar e arder. Da próxima vez prometo conhecer meu amor no consultório do meu otorrinolaringologista. Afinal, inflamações de garganta são mais comuns que luxações de pulso.