À Madrugada, Valentina

26 de abril de 2010

Lá estava ela, sentada olhando os pingos de chuva cairem pela janela.  Entrara na depressão pós-êxtase. Há tempos não sabia o que era depressão, muito menos êxtase. Mas agora sentia dor, uma pontada profunda no peito. Talvez saudade, mas não sabia o que era saudade. Falta de alguém que não poderia ser alguém pra ela.

Se pegou desenhando um coração com o ar quente de seu sopro no vidro. Será que iria chorar? Não acreditava em si mesma. Não conseguia dormir cedo há tempos…era a dona da madrugada. Andando pelo quarto. À meia-luz…

Sentado no sofá no canto do quarto um vulto, ela nem parece ligar. Já estava acostumada com ele. Seu pequeno anjo protetor. Fruto da imaginação? Ela já nem sabia mais…sempre esteve lá.

Volta à seus pensamentos, sofrimentos, momentos

Acende outro cigarro, bebe mais um gole do seu cowboy. Procura um bom livro ou a TV.

Vira para o anjo que propõe um brinde:

À Madrugada, Valentina.

…e daí em diante viu que não teria mais paz em sua vida…

* texto decidado à uma nova amiga tão talentosa que qualquer elogio será muito pouco*

Gelo Derretido

12 de abril de 2010

A pequena luz vermelha que piscava na escuridão incomodava bastante, mas ele não tinha coragem de se levantar e desligar a TV. Não conseguia dormir e também não estava totalmente desperto. Um torpor alerta constante. Assim era sua vida. Não tinha paixão por nada, não sorria pra quase ninguém. Apesar de tudo não era triste e todos gostavam de estar com ele. Ele trazia paz mesmo sendo cinza. Lembrava muito um basset hound. Todos achavam que poderiam ligá-lo. Por pena ou compaixão. Tentavam irritá-lo ou tentavam fazê-lo sorrir. E nunca ninguém obteve êxito. E ele parecia fazer tudo por obrigação, parecia um robô programado, sem emoções. Sem erros. Sem luta. Se você percorresse o caminho mais fácil, facilmente o encontraria pelo caminho. Passos lentos e despretensiosos. O Homem que não sentia nada. Além da luz agora um alarme baixo e irritante começava a vir de algum relógio jogado pelo quarto. Mas ele ainda não se importava o bastante pra levantar-se. No seu íntimo, gostava desse modo de ser “não me importo”. Não se apegava a ninguém. Não acumulava magoas. Não chorava derrotas. Não comemorava vitórias. Não sentia nada. Ao silêncio recém quebrado do seu quarto agora acrescentava um latido intermitente de um cachorro na vizinhança. Não sabia se queria dormir ou acordar. Não ligava. Nunca tinha se irritado com ninguém. Não conseguia gritar. Se descontrolar. Era um legitimo homem de gelo. Todos se perguntavam como alguém não podia se divertir. Não se emocionava com filme algum. Não sorria ao ouvir uma bela canção. Nem peitos e bundas o faziam tirar do sério. E assim seguia…até ligar o FODA-SE. Pegou um revolver que tinha guardado, deu 7 tiros no cachorro chato. Achou um martelo e quebrou o relógio em mil pedaços. Com um taco de baseball destruiu a TV. Depois desse dia nunca mais foi o mesmo…amou, chorou, sofreu, sorriu, vibrou, brigou, apanhou, perdeu, venceu…e paz nunca mais voltou.