As canecas e o tigre sorridente

11 de março de 2013

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Quando a gente se mudou, um casal de amigos nos presenteou com duas canecas bem bonitas com detalhes engraçados e que faziam a gente parecer pessoas modernas. No começo, por as canecas serem muito parecidas uma com a outra a gente misturava o uso delas, sem ser dono de nenhuma.

Com o passar do tempo eu, que não tomo café da manhã, fui perdendo a posse das canecas. Não tinha mais propriedade sobre elas. Nenhuma das duas. Eram o xodó da minha mulher. Eu apenas tinha que me contentar com as xícaras de chá de um jogo que ganhamos de uma tia distante.

Era uma época em que eu não comia sucrilhos com iogurte. Pra mim as coisas eram muito tradicionais e o melhor amigo do cereal era o leite líquido. Uma parceria que sempre rendera bons frutos, mais ou menos como Lennon-McCartney. E eu não queria fazer o papel de Yoko Ono.

Mas a gente muda os nossos conceitos. De tanto ouvir que alguma coisa é boa a gente passa a tentar, a experimentar e quem sabe gostar. Anna sempre passava com a caneca e pousava nos meus ombros, estalando os dentes na colher cheia e perguntando para mim as notícias do dia enquanto eu não movia os olhos do jornal, nem sabia o que estava lendo. Um beijo com gosto de morango.

De tanto insistir passei a comer sucrilhos com iogurte, mas não sabor morango. Isso já é heresia demais até para mim. Meu iogurte era de banana, mamão e qualquer outra fruta a sua escolha. Acordar e encher a caneca virou um ritual para mim, antes de escrever qualquer coisa, antes do bom dia solitário para a casa vazia. Ela acordava e saia antes mesmo de eu abrir meus olhos.

Hoje eu domino as canecas. Não existe mais chá, nem de boldo nem de limão ou qualquer outra planta perdida na nossa horta artificial no armário da cozinha. Era apenas eu, a caixa de sucrilhos com um tigre sorridente e as canecas apaixonadas pelo iogurte de salada de frutas.

No amor a gente rouba algumas manias dos nossos cônjuges (É tão engraçado escrever cônjuge, parece até coisas de advogados que não entendem patavinas de amor ou sentimentos). Dela eu roubei as canecas e o hábito de dizer bom dia para qualquer coisa que cruze o meu caminho.

Enquanto ela usa as xícaras sem graça eu sigo com minhas canecas ornamentadas e assim nosso amor vai andando de mãos dadas e braços entrelaçados pelos caminhos entre a cozinha e o quarto, dando uma pequena parada na sala para saber as notícias.